Conferência mundial sobre desenvolvimento sustentável gerou articulações, acordos e compromissos muito mais eloquentes do que os esperados documentos oficiais
A vantagem de se ver um jogo de futebol em comparação a acompanhar umaConferência das Nações Unidas é que o jogo geralmente é muito mais divertido e seu resultado pode ser conhecido em apenas 90 minutos. As possibilidades de desfecho são apenas vitória de um dos dois ou empate. Uma conferência da ONU é um pouco diferente. Seu resultado mais visível é um documento oficial, que tende a ser muito cheio de dedos, já que precisa ser fruto de consenso entre representantes de quase 200 países. Daí a dificuldade de produzir acordos ousados, inovadores, à altura dos desafios do desenvolvimento sustentável. Essa dificuldade não justifica, contudo, a análise rasa com que alguns apressados se dispõem a acusar, julgar, condenar e sepultar a Rio+20 depois de cravar-lhe no peito a estaca do “grande fracasso”.
Essa análise apressada prefere ignorar que a conferência não fracassou, já que produziu um texto assinado por todos e aponta para novas condições de inovação. Ignora ainda que o valor de encontros globais desse tipo vai muito além do documento assinado por governos nacionais. Esse valor começa na própria mobilização e consciência que o encontro criou.
Se quisermos pensar em termos de “vitória” ou “derrota”, não seria difícil identificar vitória em um movimento que, em apenas um ano, fez com que o entendimento de escolhas sustentáveis, por parte do senso comum, saltasse da simplória imagem de alguém escovando os dentes com a torneira fechada para a compreensão mais ampla de temas e conceitos como energias renováveis, ciclos de vida de produtos, urgência de mudanças em padrões de consumo, distinção entre valor de uso e valor de troca ou de como certas práticas econômicas do passado pressionam os recursos naturais a ponto de inviabilizar o futuro.
Além – e por causa – desse avanço na compreensão dos conceitos, há ações práticas. Durante a conferência realizaram-se milhares de eventos paralelos no Rio de Janeiro. Numerosas empresas, organizações não governamentais e administrações de grandes metrópoles foram muito mais ágeis, assertivas e avançadas do que as representações nacionais reunidas no encontro oficial. Só para citar alguns exemplos, um grupo de 40 megacidades fez um ousado acordo para reduzir suas emissões de gases causadores de efeito estufa, numa quantidade comparável a toda a emissão anual do México.
O setor empresarial, que 20 anos atrás esteve praticamente ausente da Rio-92, agora, durante a Rio+20, liderou a realização de compromissos voluntários, reconhecendo o valor do capital natural e comprometendo-se a usar os recursos naturais de forma responsável. Ao longo de quatro dias mais de 3 mil pessoas, representando cerca de 1500 empresas de 60 países, participaram de eventos do Global Compact – o braço da ONU para relação com a iniciativa privada – e produziram 220 compromissos. Um deles, proposto e difundido pela Rede Brasileira do Pacto Global, está sendo subscrito por centenas de empresas brasileiras, entre elas a Abril. Veja detalhes desse .
O número total de compromissos voluntários assumidos por empresas, governos e sociedade civil é de aproximadamente 700 e somam mais de 500 bilhões de dólares.
Houve ainda uma grande participação na chamada Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, por onde passaram mais de 350 mil pessoas entre os dias 15 e 22 de junho. Cerca de 14 mil ativistas brasileiros e de redes internacionais, assim como mais de 7 mil organizações não governamentais participaram de manifestações e expressaram um conjunto de opiniões, numa perspectiva geralmente crítica ao evento oficial. Existe, é claro, boa distância entre a expectativa gerada por uma conferência como essa e o seu resultado imediato. É preciso reconhecer que há críticas pertinentes ao grau de avanço obtido. E que serão argumentos da mesma natureza dessas críticas que darão rumo e velocidade às mudanças em direção a uma economia muito além do que verde, realmente inovadora e inclusiva.
Ainda que legítimas, algumas dessas críticas, quando exacerbadas, tornam-se uma das principais fontes do discurso de desqualificação da Rio+20. Há uma outra fonte, que é a trincheira do puro e simples conservadorismo. É o quartel general do “business as usual”, o negócio tal qual é hoje, que insiste em negar o reconhecimento do capital natural, na vã tentativa de eternizar as tais práticas econômicas do passado que ameaçam inviabilizar o futuro. Essa “crítica” baseia-se em crenças anticientíficas que negam as evidências do aquecimento global. Felizmente a influência desse discurso é declinante, principalmente junto a empresas sérias, cada vez mais conscientes, compromissadas e atuantes. Mas ainda causa algum estrago, como se viu na condenação e execução sumária da Rio+20.
Num contexto de crise econômica internacional, os governos estão mais contidos do que nunca. E, mais uma vez, a sociedade saiu na frente. Sejam representantes de grandes empresas ou de organizações ligadas à defesa da natureza, várias lideranças reconhecem o avanço obtido pelo grande encontro global, para além dos acordos entre países. A Rio+20 é um processo de mudança para um contrato social que faça mais sentido do que o contrato atual, com cidades paralisadas por excesso de meio de transporte, como se essa situação fizesse parte de uma fórmula que não pode ser questionada ou melhorada. Como se fosse aceitável considerar glamouroso o mais belo design industrial que em algum ponto de sua cadeia incorpora trabalho escravo ou joga a conta na destruição da biodiversidade.
Não se trata, como disse Marina Silva num dos encontros, de, adotar uma atitude otimista ou pessimista. “Trata-se de ser perseverante”.
Fotos: Diego Blanco/UNIC Rio, Divulgação/Vera Sayão, Fábio Nascimento, Paulo Marcos
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