segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Há 100 anos nascia um anjo de asas tortas e de poder literário: Nelson Rodrigues


Tarja - Literatura
 
Cultura

Nelson Rodrigues, aos 100, ainda é a cara do Brasil real

Em VEJA desta semana, reportagem narra como Nelson Rodrigues inventou o teatro brasileiro; retratou a “nova classe média” antes até de ela existir oficialmente e criou tipos que continuarão por aí.

O dramaturgo Nelson Rodrigues inventou o teatro brasileiro em 1943, com a peça Vestido de Noiva. O romancista, com o pseudônimo Suzana Flag ou sem camuflagens, devassou e simultaneamente seduziu o universo habitado por aquela que muitos anos depois seria batizada de “nova classe média”. O cronista do Brasil real - enquanto colecionava achados metafóricos que o transformariam num frasista incomparável e concebia imagens magnificamente exatas - pariu criaturas que, conjugadas, mostram não o que os nativos da terra gostariam de ser, mas o que efetivamente são. O torcedor apaixonado do Fluminense descobriu que “a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana” e foi o primeiro a coroar Pelé. Ele foi e fez tudo isso - e muito mais - em apenas 68 anos de vida. É compreensível que o dia da morte física de Nelson Rodrigues tenha sido também o primeiro dia do resto de sua eternidade.

A imortalidade de Nelson Falcão Rodrigues, nascido no Recife em 23 de agosto de 1912, é reafirmada pelo centenário do gênio. Diferentemente das efemérides do gênero, desta vez não foi preciso reapresentar o país a outra vítima da amnésia endêmica que chegou com as primeiras caravelas. Desde a década de 70, quando começou a transformar-se numa prova contundente de que nem toda unanimidade é burra, Nelson está livre da temporada no limbo a que são condenados os grandes mortos. De lá para cá, não se passou um só dia sem que estivessem em cartaz peças teatrais ou filmes baseados em sua obra, ou sem que fossem vendidos exemplares dos livros que continuaram a multiplicar-se em edições sucessivas.

Também é certo que neste momento, em alguma esquina ou mesa de botequim, alguém está animando a roda de conversa com a evocação de uma frase ou criatura de Nelson Rodrigues. Ou apenas Nelson, porque basta o prenome para a identificação de um velho conhecido.

A admiração por Nelson hoje é compartilhada por todos os brasileiros com mais de dez neurônios - sejam quais forem a idade, a filiação política, a tendência ideológica, o signo, o peso e a estatura. E assim sempre será, porque os muitos grandes momentos de Nelson Rodrigues nunca ficarão grisalhos.

A crítica de teatro Barbara Heliodora prevê que, como ocorre com a obra de William Shakespeare, pelo menos quatro peças de Nelson - Vestido de Noiva, Boca de Ouro, A Falecida e O Beijo no Asfalto - continuarão encantando plateias daqui a 500 anos.

Os descendentes dos nossos tetranetos reconhecerão uma similar de Engraçadinha na garota ao lado, ou dormirão imaginando que espécie de veículo estará transportando Solange, a dama que, no Brasil do século XX, caçava aventuras no lotação.

“Ele será sempre um grande autor”, afirma Barbara Heliodora, que atribui a Nelson Rodrigues a subida aos palcos dos diálogos que reproduzem a língua falada pelas plateias. “Nelson era um repórter extraordinário, e foi muito influenciado pela experiência como jornalista”, diz. “Tinha um ouvido tão maravilhoso que conseguiu captar o brasileiro falando. Nós aprendíamos na escola que poderíamos falar errado, mas deveríamos escrever corretamente.

Os autores escreviam certo, esquecidos de que aquilo era para ser falado.” Só depois de Vestido de Noiva os atores começaram a falar o português das ruas. A descoberta do diálogo em brasileiro fez de Nelson Rodrigues, segundo o crítico Sábato Magaldi, “um autor seminal, que fecundou a nossa dramaturgia”.

Em 21 de dezembro de 1980, o homem que passou a vida inteira pensando na morte se foi. Nunca se saberá se já tinha descoberto que era imortal.

http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/nelson-rodrigues-aos-100-anos-ainda-e-a-cara-do-brasil-real

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