Quais são as razões para a guerra?
A guerra é sobre o Irã, o Hizbullah, o Líbano. Sobre assegurar que os que eles apoiam ganhem na Síria. A guerra tem três objetivos: o Irã, destruir um regime que tem ajudado o Hizbullah e colocar no poder na Síria a Irmandade Muçulmana. Com isso, mudar o balanço de poder na região, afastando o poder do Irã.
Obama está, assim, ficando do mesmo lado da Al Qaeda?
Sim, claro. Os norte-americanos lutaram com a Al Qaeda contra os russos no Afeganistão. Usaram a Al Qaeda para derrotar [Slobodan] Milosevic na Bósnia. Agora estão usando a Al Qaeda novamente para derrotar o governo secular na Síria. Eles fazem o que é melhor de acordo com os seus interesses.
Como avaliar a reação da opinião pública a um eventual ataque? No Reino Unido houve protestos e o parlamento rejeitou a possibilidade da guerra. Nos EUA também há resistências.
Há uma porção grande de americanos, creio que 48%, que estão contra a guerra. A opinião pública europeia é contra a guerra. Obama sabe disso. Está tentando construir um argumento para a guerra falando em caso humanitário. Mas, basicamente, ele não é melhor do que [George W.] Bush. Houve mais continuidade com a administração Bush do que descontinuidade.
Como se pode prever o futuro de uma intervenção como essa?
Se Obama intervier, se bombardear a Síria e remover Assad do poder, haverá guerra e instabilidade naquela região por mais dez anos. Quem se beneficiará disso? O povo é que não.
E quem se beneficiará com essa guerra?
As companhias europeias que investem em petróleo, o complexo industrial militar dos EUA, os comerciantes de armas, especialmente dos EUA e da Europa.
Essa também é uma guerra sobre petróleo?
Guerras são sempre a respeito de recursos naturais. Mas essa não é exclusivamente uma guerra sobre petróleo. É parte da campanha que fazem os EUA, desde o fim da Guerra Fria, para remodelar o mundo de acordo com os seus interesses. Essa foi a razão por trás da invasão do Iraque e é isso que ocorre agora na Síria. É preciso lembrar que quando Bagdá caiu, o embaixador israelense nos EUA parabenizou o governo norte-americano, mas disse que o trabalho não tinha terminado: que era preciso ir a Damasco e a Teerã. Essencialmente é isso que está acontece agora. Depois da Síria, vão querer enfraquecer Teerã. Há 20 anos, os israelenses tentam, sem sucesso, destruir o Hizbullah. Acreditam que, sem a ajuda da Síria, eles podem ter êxito. Seja o que for, não haverá paz no Oriente Médio.
Ninguém pode frear o governo dos EUA?
O povo dos EUA pode, e o Congresso norte-americano pode tentar. Fora dos EUA o que se pode fazer é isolá-lo e fazer críticas. Ninguém pode desafiá-lo militarmente. Mas politicamente ele pode ser desafiado e isolado.
De onde vem o poder da oposição síria?
A principal força é a Irmandade Muçulmana, que acabou de ser derrotada no Egito. Há a Al Qaeda e outros grupos inspirados nela. Nos últimos seis meses, ficou muito claro que a oposição não iria ganhar. Essa é a razão principal para a intervenção norte-americana: evitar que o seus aliados na guerra civil fossem derrotados.
O que dizer sobre a denúncia de ataque com armas químicas?
Não sei. Provavelmente houve. Ainda não há evidências claras sobre quem usou. Há pessoas nos EUA --incluindo um general aposentado que atuou na administração Bush-- dizendo que suspeitam do Mossad. Outros dizem que o ataque pode ter sido feito por um militar trapaceiro da Síria. A situação é confusa e até agora as evidências não foram mostradas. Não podemos dizer quem fez o quê nesse caso. O país que mais usou armas químicas na história foram os EUA: das armas nucleares contra o Japão, passando pelo agente laranja contra o Vietnã e, em 2004, com o uso de fósforo branco contra a população de Fallujah, no Iraque. Os EUA podem usar armas químicas que ninguém diz nada. Mas, se qualquer outro usar, ultrapassa uma linha vermelha. Isso não faz sentido.
Qual será o papel da Rússia e da China nesse caso?
Rússia e China não vão lutar militarmente. Ambos países se opõem a essa guerra.
Na sua visão, Obama é pior governante do que Bush?
Sim, é óbvio. Há o caso das denúncias de espionagem, ações contra as liberdades civis, Guantánamo. Tem o poder de ordenar a execução de qualquer cidadão americano no país ou no exterior ou qualquer um que desafie os EUA. Sob Obama, o que temos nos EUA hoje é um regime totalitário suave. Esse termo não é meu; é da revista alemã "Spiegel", que assim descreveu a sua gestão.
O que o sr. pensa dessa campanha para retirar o Nobel da Paz de Obama?
As pessoas que escolhem os ganhadores do Prêmio Nobel não são objetivas nem neutras. São ex-políticos, ex-ministros que estão totalmente envolvidos em política. Pensam como na Guerra Fria. Esse prêmio está sobrevalorizado e eles jamais removeriam o prêmio de Obama.
Há uma crise em razão da espionagem que os EUA fizeram em relação à presidente Dilma Rousseff. Qual a será a consequência política do caso Edward Snowden?
Os brasileiros não deveriam estar surpresos. Os EUA fazem isso há muito tempo. Agora têm a tecnologia para fazer a espionagem de forma mais eficiente. Provavelmente fizeram também com Lula. Quando Snowden pediu asilo ao Brasil, a rejeição foi imediata. Nem se pensou a respeito. Agora estão pagando o preço. Pelo menos vocês sabem que a sua presidente e outros políticos estão sendo espionados. A questão é o que o governo vai fazer agora.
O que o sr. acha que deveria ser feito?
O mínimo seria chamar o embaixador de Washington e pedir uma explicação ao governo americano. Ela deveria cancelar a viagem aos EUA e explicar à população norte-americana porque está fazendo isso. Teria impacto.
Há uma análise que coloca nas reservas de petróleo do Pré-Sal as razões para a espionagem. Faz sentido?
Ninguém para os EUA na obtenção de petróleo. A questão para os EUA é manter a hegemonia no mundo capitalista. Para isso, usam a força, a espionagem, a tortura. O objetivo é assegurar a manutenção do poder norte-americano sem desafiadores. É isso que está acontecendo.
O poder norte-americano só cresce?
Sim. Não é verdade que o poder dos EUA está se enfraquecendo. É claro que eles não ganham sempre o tempo todo. Mas os EUA continuam sendo o único super poder imperial no mundo de hoje. Não importa que se o presidente é Obama ou Bush. O Brasil está demorando a entender isso. Quanto mais rápido o Brasil compreender isso, melhor. Porque o único continente onde há alguma oposição e resistência aos EUA é a America do Sul. Quando os europeus obedeceram ordens americanas e pararam Evo Morales, toda a América do Sul, incluindo a Colômbia, e mais o México responderam de forma forte. É uma mudança enorme e boa. Obama é um presidente imperial de um país imperial, que prefere ter nos países pessoas no poder que fazem o que eles dizem. Por isso eles não estão felizes com o PT No Brasil.
Mas é ariscado para os EUA irem para a guerra, não?
Sim, é arriscado. Mas os EUA sabem que ninguém pode resistir a eles militarmente. Por isso usam instrumentos militares para atingir objetivos políticos.
Mas na Líbia houve um desastre.
Sim, foi um desastre, e ainda não sabemos o número certo de vitimas. Talvez 20 mil, 25 mil pessoas tenham sido mortas pela Otan em cinco meses de bombardeiro.
E a Primavera Árabe?
Está morta, não sobrou nada. É uma história desastrosa. No Egito, há uma ditadura militar. Na Síria, uma guerra civil. No Bahrain, há a ocupação saudita. No Iêmem, os sauditas não permitem que ocorra uma solução de acordo com os desejos do povo. Na Tunísia, há um regime clerical. No Marrocos, há um regime ditatorial apoiado pela França e pelos EUA, semelhante ao da Argélia. Sem falar na Palestina. Os israelenses impuseram uma enorme derrota para o povo palestino. Não haverá um estado palestino independente. Pode haver um estado de brincadeira. Como dar ao Rio de Janeiro um status de independência, sendo que na verdade ele é controlado pelo Brasil. Está morta a ideia de que teremos um estado palestino soberano independente. A única saída é um estado binacional, com direitos iguais para todos os habitantes.